Não olhe para o lado
Uma leitura do filme "Não olhe para cima" de Adam McKay e David Sirota
Lançado na plataforma Netflix na véspera de Natal, o filme teve grande repercussão nas mídias sociais, pela crítica que desperta do momento político em que vivemos. Escrito antes da pandemia, o filme pretendia parodiar a situação das mudanças climáticas. Da mesma forma que os astrônomos foram ignorados, ao tentarem alertar o mundo sobre a vinda de um cometa capaz de erradicar a vida no planeta, há décadas cientistas que tratam dos perigos iminentes das mudanças climáticas são abafados por parte da mídia e por quase todos os governos.
Entretanto, devido ao que vivemos na situação pandêmica, o filme teve uma repercussão muito diferente da pretendida. Não nos fez refletir, exatamente, sobre os perigos das mudanças climáticas e como os governos têm ignorado a comunidade científica neste meandro, mas sobre outro problema. Numa paródia é comum encontrarmos elementos que sejam exagerados, ou levados ao absurdo. Uma ferramenta estética e política do artista para chamar a atenção do seu público para um dado problema. O que angustiou, em particular aos brasileiros, pelo que vivemos recentemente, é que sequer foi possível termos essa percepção cômica do absurdo da paródia. Nós estamos vivendo o absurdo tragicômico. A situação política que foi representada, de como políticos e mídias entorpecem e anestesiam a população, são reais e cotidianas para o brasileiro.
Políticos e mídias nos entorpecem ao disseminarem problemas imaginários e assim nos afastar dos problemas reais. Mídias nos anestesiam por filtrar a informação que passam de acordo com o conforto de seu público. A divisão política que hoje se evidencia entre veículos de informação de esquerda ou de direita foi originada por esse problema. É muito difícil encontrar um brasileiro que ainda acredite existir alguma mídia neutra ou imparcial. Sempre que dada informação incomoda o leitor ou ouvinte, ele imediatamente rotula o canal como "esquerdista", "conservador", "fascista" (que agora é termo universal dos dois campos para tudo o que cria esse desconforto).
Embora governos e as mídias pareçam se combater no jogo democrático, acabam sendo duas partes de um mesmo todo, ao favorecer interesses financeiros escusos. Os primeiros criam problemas que não existem para se somar aos problemas que já existem, como os "perigos" da vacinação, por exemplo. As segundas vêm oferecer a única saída possível para o impasse criado pelos primeiros, pois problemas imaginários, obviamente, são problemas sem solução. Para não cair no desespero, resta ao povo a anestesia, a distração. Somos uma população medicada, como banalizou um dos entrevistadores no filme. O aviso de um apocalipse iminente dividiu o palco com o término de um relacionamento entre celebridades.
O mesmo governo propôs, como aquele da ficção, soluções mirabolantes para combater não os problemas, claro, mas as soluções reais. Remédios sem comprovação científica e placebos foram o nosso plano de coleta dos minérios do cometa. Tal como um não tinha interesse na saúde pública da população, o outro não tinha na sobrevivência da vida na terra. A preocupação era tão somente com os efeitos do isolamento social na economia. O guru do capitalismo brasileiro representa melhor Peter Isherwell do que o sr. Zuckerberg. "O que eu mais gosto é que toda crise é cheia de oportunidades". E de fato os mais ricos enriqueceram durante a crise ainda vivida no Brasil.
Há também na obra uma autocrítica dos criadores àqueles que olham para cima, ou que olham para o lado, no nosso caso. Olhamos, mas com frequência fechamos os olhos. Não foram somente os defensores do governo atual que desrespeitaram, eventualmente, os protocolos sanitários. Além disso, não sabemos de que forma, quando enxergarmos o problema, podemos mostrá-lo aos outros. Nos conformamos e nos convencemos, com facilidade, de que não há mais saída ou solução, ou então optamos pela saída mais popular, o meio-termo que nada resolve, como fez durante boa parte da narrativa o personagem de Leonardo DiCaprio.
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